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Mostrando postagens de janeiro, 2010

CINZAS

De repente se deu conta de que seu coração estava de luto. tornara-se um cemitério com túmulos recém-criados das alegrias e prazeres de um passado distante. Assustou-se com a sua falta de ilusões e perspectivas. Não merecia sofrer tanto. Tentou, sem sucesso, se recordar de quando sua vida principiara a mudar de rumo. Onde estavam a leveza, a ingenuidade e a satisfação tão presentes na infância? Deu-lhe um branco. Assustou-se com a idéia repentina. Mas foi em frente. Na boca o gosto amargo da derrota. Pegou a arma, deu um grande suspiro e a colocou em cima da mesa. In: CONTO ENTRE CONTOS- Ed. 7 letras, 2007.

MEUS OLHOS CASTANHOS

Foi hoje Quanta alegria! Que reencontrei O brilho maroto Dos meus olhos castanhos Andava fugido O danado Num de repente Passado e presente Se encontraram saudosos Dizendo gracinhas Relembrando estórias E através do espelho Riram baixinho Da minha surpresa Tão bom Que foi Reencontrar O brilho maroto Dos meus olhos castanhos!

CURTINHA

Sou meu arremedo vaga história do que já fui

O FERRO DE PASSAR ROUPA

Mirinha ficava fascinada com a agilidade de Preta Zé ao passar a roupa. Tempos idos de ferro movido a carvão. Muito tempo perdido em vagas lembranças. Mas dessa lembrança ela se lembra muito bem. Preta Zé molhava o dedo na língua e passava-o rápido no ferro para verificar a temperatura. Gostoso de ouvir o shhhh do frio no quente. Aquele gesto fascinava a menina. Um dia, sorrateiramente foi para a lavanderia, o ferro estava pronto para o uso. Ela olhou para um lado, depois para o outro e se aventurou no proibido. Ao invés de molhar o dedinho na língua, quis ser mais rápida: levou-o diretamente à língua. Shhhh foi o barulho que ouviu e uma imensa dor. Saiu correndo e se trancou no quarto. Naquele dia não quis jantar, e dormiu cedo. Sabia que se a mãe descobrisse a travessura levaria umas boas palmadas.

SEM EXPLICAÇÃO

Coisa estranha a morte: o morto vive na saudade o vivo morre de saudade

O VIZINHO DO PRÉDIO AO LADO

Meu personagem me intriga é o vizinho do prédio ao lado vejo-o todos os dias a caminho da padaria ou tomando outro rumo qualquer Sério cabeça baixa evita me olhar Isso me atiça E vou construindo estórias sonhando acordada com meu mancebo grisalho Um dia o vi ao lado de uma senhora quiçá sua mãe ou amante mais velha Tenho vontade de gritar-lhe chamar sua atenção estender os braços fazer palhaçads só para vê-lo sorrir e quem sabe escrever uma estória de amor

A MÁQUINA DE TIRAR RETRATOS

Ajudada por meu pai, descia do bonde e atravessa o jardim público da Cinelândia, aquele que tem uma fonte de Mestre Valentim, na sua entrada. Atravessávamos o jardim e seguíamos em linha reta até o Automóvel Clube, prédio ao lado da Escola de Música, onde eu tinha aulas de balé. O jardim era lindo e sem grades. Pessoas sentadas nos bancos liam jornal. O verde luxuriante e a paz do jardim me deixavam feliz. Meu pai me chamava a atenção para os pássaros e para as árvores. Incutia-me o amor à natureza. E ele estava sempre lá. O homem com sua máquina de retrato, em cima de um tripé. Era uma caixa pequena e ele se escondia atrás de um pano preto para tirar fotos. E havia fila. Eu gostava das aulas de balé, embora o meu corpo e pernas não ajudassem. A professora fazia cara feia apesar do meu esforço. Depois da aula, vinha o melhor. Uma água mineral gasosa, bem gostosa e a volta para casa.