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Mostrando postagens de dezembro, 2011

VELHICE

Um dia acordou cinza. Levantou-se, abriu a janela e olhou para o céu. Tão azul. Por que se sentia tão mal? Um vazio enorme, como se houvesse perdido alguma coisa irrecuperável. Medrou. Vinha sentindo essa sensação há algum tempo. Não queria pensar. Não queria enfrentar, tinha medo do confronto, mas no fundo, sabia. Havia parado de sonhar, e quando se para de sonhar, o fim está próximo. Levou algumas semanas irritado e de mau-humor, desfechando grosserias a quem lhe dirigisse a palavra. Não podia precisar quando o processo começou. É aos poucos, uma voz sussurrou-lhe ao ouvido. A limitação dos movimentos, a dificuldade do tato, a perda do paladar, a perda do sono foram transformações sutis ao longo dos anos, aos quais não prestou muita atenção, e quando se acentuaram o perturbaram sobremaneira. Ficou arrasado quando não conseguiu se levantar do sofá com a desenvoltura, digamos, de um ano atrás, como ficou difícil levantar e sentar, lembrava-se com amargura de quando se soltava no sofá

VENDE-SE

Olhou o apartamento pela última vez. Despediu-se dele como um velho amigo. Afinal vinte anos não são vinte dias. Fez as mudanças aos poucos. Cada dia levava uma coisinha. Pedaços de si. Quando se deu conta já tinha levado tudo. Levou-se por inteiro. Não deixou vestígios. Agora já podia anunciar a venda.

VIROSE

A virose o pegou de surpresa. Começou já de manhã. Levantou-se a contragosto. A indisposição, o cansaço e a vontade de voltar para a cama e dormir era imensa. Mas não podia se dar ao luxo de jogar tudo para o alto e mergulhar nas cobertas. Seus cachorros o esperavam para a saída matinal. Arrastou-se até a cozinha, pegou as guias e foi se arrastando para a rua. Uma nuvem cinzenta pairava sobre sua cabeça. - Que droga é essa? Não estou nem resfriado - falou entre dentes tentando se equilibrar perante a força descomunal que os cachorros faziam, felizes de estarem na rua. Passou em revista tudo que tinha que fazer, naquele dia. O mais importante era o encontro na editora. O resto podia adiar. Iam publicar seu primeiro livro e a perspectiva lhe deixara muito feliz. Lembrou-se que mais feliz ficara quando escreveu seus primeiros contos e mostrou aos amigos. Todos gostaram. Então, podia escrever, o que sem dúvida, foi surpreendente, não se sabia capaz. Isso lhe deu novo ânimo, uma porta q