VELHICE
Um dia acordou cinza. Levantou-se, abriu a janela e olhou para o céu. Tão azul. Por que se sentia tão mal? Um vazio enorme, como se houvesse perdido alguma coisa irrecuperável. Medrou. Vinha sentindo essa sensação há algum tempo. Não queria pensar. Não queria enfrentar, tinha medo do confronto, mas no fundo, sabia. Havia parado de sonhar, e quando se para de sonhar, o fim está próximo. Levou algumas semanas irritado e de mau-humor, desfechando grosserias a quem lhe dirigisse a palavra. Não podia precisar quando o processo começou. É aos poucos, uma voz sussurrou-lhe ao ouvido. A limitação dos movimentos, a dificuldade do tato, a perda do paladar, a perda do sono foram transformações sutis ao longo dos anos, aos quais não prestou muita atenção, e quando se acentuaram o perturbaram sobremaneira. Ficou arrasado quando não conseguiu se levantar do sofá com a desenvoltura, digamos, de um ano atrás, como ficou difícil levantar e sentar, lembrava-se com amargura de quando se soltava no sofá