VIROSE

A virose o pegou de surpresa. Começou já de manhã. Levantou-se a contragosto. A indisposição, o cansaço e a vontade de voltar para a cama e dormir era imensa. Mas não podia se dar ao luxo de jogar tudo para o alto e mergulhar nas cobertas. Seus cachorros o esperavam para a saída matinal. Arrastou-se até a cozinha, pegou as guias e foi se arrastando para a rua. Uma nuvem cinzenta pairava sobre sua cabeça.
- Que droga é essa? Não estou nem resfriado - falou entre dentes tentando se equilibrar perante a força descomunal que os cachorros faziam, felizes de estarem na rua.
Passou em revista tudo que tinha que fazer, naquele dia. O mais importante era o encontro na editora. O resto podia adiar. Iam publicar seu primeiro livro e a perspectiva lhe deixara muito feliz. Lembrou-se que mais feliz ficara quando escreveu seus primeiros contos e mostrou aos amigos. Todos gostaram. Então, podia escrever, o que sem dúvida, foi surpreendente, não se sabia capaz. Isso lhe deu novo ânimo, uma porta que se abria com inúmeras possibilidades.
- Você teve sorte, Fábio - falou Sérgio, seu melhor amigo, quando soube da perspectiva da publicação do primeiro romance. Tem muita gente boa que não tem a chance que você está tendo.
- É verdade. Mas hoje tem a Internet. Você cria um site e coloca seus escritos lá. Sempre vai ter um que vai ler.
- Bem, isso é, mas convenhamos que livro impresso tem lá o seu peso.
Passeou com os cachorros e a indisposição foi passando gradualmente.
- O que eu preciso é de um bom café-da-manhã.
Voltando à casa, alimentou os cachorros, preparou o desjejum e se sentou para ler o jornal. As notícias eram desalentadoras. Roubo, corrupção, assalto à mão armada, um sem número de desgraças.
Fechou o jornal e ligou o rádio.
- Ah, a música dos velhos mestres. Não há nada que se compare, fechando os olhos e se deixando levar pela Nona de Beethoven.
Sentou-se para ouvir a música, ascendeu um cigarro e fazendo anéis de fumaça se entregou ao ócio.
Quando se deu conta já era tarde. Tinha que se aviar ou chegaria tarde ao encontro. Ao se levantar se sentiu tonto e a indisposição voltou. Um formigar na boca do estômago, vontade de vomitar, um sono irresistível.
- Não, tenho que vencer essa guerra. Afinal é o meu livro e tenho que vencer essa batalha.
Lembrou-se do seu analista.
- Você está se boicotando. Encare seus medos.
Tirou uma soneca, acordou em tempo para o encontro, tomou uma ducha e saiu.
A editora ficava numa salinha simpática no Jardim Botânico. Duas moças simpáticas dividiam uma sala branca, sem muitos aparatos. A conversa foi boa, discutiram a capa, as cores e de novo a indisposição tomando conta de seu corpo. Pediu um café e sorveu-o em pequenos goles. Visualizou seu livro nas estantes das livrarias cariocas e um calor gostoso envolveu sua alma, entretanto sabia que se não houvesse um marketing agressivo, seria mais um nome esquecido numa prateleira poeirenta.
No caminho de volta, se sentiu mais indisposto do que saíra.
- Xô égua, falou em homenagem a Érico Veríssimo, um de seus mentores- agora não, deixa-me, primeiro, chegar em casa pra você se instalar.
Abriu a porta, totalmente nauseado e não se fez de rogado. Enfiou-se nas cobertas e ficou cativo de sua virose.

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