FUROR UTERINO

FUROR UTERINO


Seu apelido era furor uterino. Numa tabuleta dependurada na porta de seu quarto havia a seguinte inscrição: Matadouro.
Suzana era uma pessoa legal, que gostava de namorar e mais ainda de sexo. E passava como um trator por cima das convenções. Casou, separou e não quis mais arriscar.
            - Meu negócio agora é me fartar de namorar.
            E danou de namorar.
 Aos 32 anos teve quistos no ovário e se submeteu a uma operação para tirá-los. Aquilo mexeu com a cabeça dela.
            - Não vou poder ter filhos. Que merda.
            Ficou um tempo sem namorar e com medo de fazer sexo.
- Tenho medo que doa.
- Não vai doer. Te asseguro, afiançou o médico.
Não resistiu muito tempo ao charme do Júlio, o bonitão da rede de vôlei, que ficava sempre azarando ela na praia. Namoraram e ficaram juntos, por um bom tempo.
            - Mas sem compromisso sério, Júlio.
            Alguns anos depois, surgiu um incômodo no intestino. Ela sentia dores, todas as vezes que ia ao banheiro. Mas levava com a barriga. Quando as dores se intensificaram foi ao médico. Câncer no intestino.
            Desmoronou. Não estava preparada para uma segunda operaçãoNão houve jeito. Entrou na faca e a operação foi um sucesso, e o médico foi enfático ao dizer que o mal tinha sido extirpado pela raiz. Suzana se recuperou bem, mas não tinha ânimo para voltar a namorar. Retomou sua vida social por insistência dos amigos; boate, barzinhos e pequenas viagens pelo Brasil. Quando conheceu Afonso sentiu a velha animação voltar.
            - É com esse que vou tirar o atraso.
            Não contava com a vergonha repentina em relação ao próprio corpo. Olhou-se no espelho e se espantou com o que viu. Era um corpo desconhecido, ainda que tão familiar.
            Afonso era indiferente à problemática enfrentada por Suzana. Atraído pela doçura e encanto dela, apaixonou-se. Ele tinha sido casado por 30 anos, possuía duas filhas casadas e o primeiro neto estava a caminho. Gostava do casamento e queria se casar de novo. Quando conheceu Suzana, sentiu que a química foi recíproca e que o seu sonho podia se tornar realidade. Afinal, dos dois eram pessoas maduras, com suas estórias, sucessos e fracassos. Quando estavam juntos, o mundo parava naquele minuto mágico que os apaixonados percebem. Descobriu na mulher um humor e um otimismo que o ajudavam a transpor os limites de seu mundo limitado. Suzana o fazia ver o mundo com outros olhos. Queria tanto aquela mulher. Sentia que os sentimentos dela eram conflitantes, e não entendia porque ela não confiava nele.
            - Fala Suzana, talvez eu possa lhe ajudar.
            Suzana calava.
            Custaram a fazer amor.  No dia em que ela se decidiu, se armou de mil artimanhas para esconder sua nudez, que não pode usufruir do sexo tanto como gostaria. Afonso percebeu, mas não se importou. Abraçava-a com força e lhe dizia de seu amor.
            Suzana não esperava que o câncer retomasse. Um dia, no banheiro, sentiu uma pontada aguda na barriga. Evacuou sangue. Desta vez foi mais sério. O câncer voltou. Sua vida agora tinha prazo de validade. Afonso fez absoluta questão de ficar ao seu lado.
            Suzana aceitou com uma condição: mudar a tabuleta dependurada na porta de seu quarto. Afonso e Suzana, amor eterno.
             

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