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Mostrando postagens de março, 2014

A MORTE DA ATRIZ

                                                            Soube que a atriz tinha morrido um dia antes. Quando li o anúncio fúnebre tive a estranha sensação de que em breve iria também. Não é assim? Primeiro morrem os avós, depois os pais, quando começam a morrer os de nossa geração é o alerta: o próximo pode ser você. Abaixo do nome dela vinha a confirmação da profissão, talvez necessário para uma pessoa que não se destacou no meio. E quando eu morresse? O que me definiria? Sinceramente não sei.  Escritora? Incorreria na mesma problemática da defunta em questão: precisaria da qualificação numa profissão em que sou totalmente desconhecida.             Seu corpo violão e seu sorriso encantador fizeram muitos homens cativos. Foi uma boa amiga, até o momento em que não foi mais. A vida a machucou,  e no fim se tornou ranheta e amarga. Refugiava- se nas belas lembranças que ao passar do tempo tornaram-se borrões, nos quais ela mal distinguia seus personagens. Pelos trancos e pe

O JARDIM DAS FOLHAS SECAS

         Meu avô costumava me trazer aqui, todos os dias. Gostava de correr pelos  gramados verdes, pegar atalhos, me extasiar com a beleza das flores, subir  nas árvores e descansar em seus galhos acolhedores. O parque era muito bonito, com um grande lago circular, onde alimentávamos os patos e peixes e brincávamos com nossos barcos à vela.       Foi num domingo, que, junto a outras crianças, tivemos a nossa primeira aula de jardinagem. Dois jardineiros profissionais nos ensinaram a adubar o solo, a mexer na terra e com a ajuda deles plantamos sementes de flores, eu escolhi rosas, porque minha mãe se chamava Rosa e amava rosas vermelhas, as suas preferidas. Éramos quatro meninos e seis meninas, irrequietos e animados e cada um ficou responsável pelas sementes que plantou o que significava estar atento ao crescimento das flores, adubando e regando quando fossemos ao parque. Levamos uma manhã inteira trabalhando, felizes, totalmente lambuzados de terra e ao final batizamos esse loc

FIQUE DE OLHO: EU LEIO VOCÊ

CAMINHOS OPOSTOS

            E lá estava eu, caminhando ao leu no meu jardim, admirando a beleza ao redor e sentindo a fresca brisa do entardecer no meu corpo.  Revigorada e em paz comigo mesma olhei para o céu. Um avião passava deixando um rastro atrás dele como se fosse um cometa. E não são cometas essas máquinas aladas singrando os céus? Não sei o que me deu na cabeça, mas acenei  em direção ao infinito, feliz em compartilhar o gesto que fazia jus à emoção que sentia no momento. O avião se foi e eu entrei em casa.

NA FARMÁCIA

            Espalhado pelo balcão da farmácia vários cosméticos de primeira linha – caríssimos como quase tudo no seu país. Ela comparava preços e nisso ele entrou.             A aparência não podia ser pior: cabelo ralo e desgrenhado, sujo e ainda por cima desdentado. Ah, é demais, nem merece ser olhado, ela pensou de imediato. Ele fez um comentário  sobre a camada de ozônio. Tentando ser educada, apenas meneou a cabeça, embora a única palavra que entendeu fosse ozônio. Pra que se preocupar? O homem era um lixo. Nem se deu conta do preconceito que aflorava logo ela que não discriminava nada.             Ela custou a se decidir, tantos eram os produtos. Ele pediu um medicamento que a atendente foi buscar. Vendo a indecisão da mulher, que continuava olhando os cosméticos, disse que ele nunca usara nada na pele. A resposta foi tão rápida e tão inesperada que houve um silêncio mortal durante alguns segundos. Saiu da boca dela: Nota-se.             O homem pegou o medicamento e

THE BRAZILIANIST

            Ela o via todos os dias na estante. O autor era um brazilianist famoso, sempre muito requisitado para opinar sobre o país. Ela lia as entrevistas, e fantasiava com ele: será bonito, casado? Tempos idos, sem internet, não havia como saber. Sim, havia a foto dele na orelha do livro. Sem photohsop mostrava um homem claro, de óculos, nada de mais.             O susto foi grande quando o viu adentrar na biblioteca onde trabalhava. Ele se apresentou, esticou-lhe a mão que ela apertou com o coração na boca, ele sorriu educado e foi ler alguns jornais. O homem era feio, feio não,  horroroso, mas ela relevou, era um sujeito importante, um nome respeitado e seus livros faziam parte do acerco da biblioteca.             Por esses mistérios da vida, sem haver paquera, olhares cruzados ou suspiros de tesão, ele esperou-a sair, convidou-a para um café e horas mais tarde estavam fazendo um sexo morno na cama dela. Assim  mesmo, extremamente pragmático, tipo sobremesa. Ela não se e