O JARDIM DAS FOLHAS SECAS



         Meu avô costumava me trazer aqui, todos os dias. Gostava de correr pelos  gramados verdes, pegar atalhos, me extasiar com a beleza das flores, subir  nas árvores e descansar em seus galhos acolhedores. O parque era muito bonito, com um grande lago circular, onde alimentávamos os patos e peixes e brincávamos com nossos barcos à vela.       Foi num domingo, que, junto a outras crianças, tivemos a nossa primeira aula de jardinagem. Dois jardineiros profissionais nos ensinaram a adubar o solo, a mexer na terra e com a ajuda deles plantamos sementes de flores, eu escolhi rosas, porque minha mãe se chamava Rosa e amava rosas vermelhas, as suas preferidas. Éramos quatro meninos e seis meninas, irrequietos e animados e cada um ficou responsável pelas sementes que plantou o que significava estar atento ao crescimento das flores, adubando e regando quando fossemos ao parque. Levamos uma manhã inteira trabalhando, felizes, totalmente lambuzados de terra e ao final batizamos esse local como “Recanto das Crianças.” Lembro-me que fiquei excitadíssimo e perguntava a meu avô, a toda hora, quando é que a minha roseira iria dar rosas. E ele respondia que tudo tem seu tempo certo, e que não se pode correr contra ele. E me citava como exemplo. “Ontem você era um bebê, hoje é um garoto de seis anos e daqui a alguns anos um homem, quem sabe casado e com filhos, seguindo a trajetória da vida, como seu pai e eu seguimos. Por enquanto vai comendo muito arroz com feijão para crescer e ficar forte, como as sementes que você plantou: alimente-as direitinho, para crescerem bonitas e fortes.”
         A emoção de vê-las se desenvolverem foi indescritível. Todos os dias, acordava e procurava pelo  meu avô, que morava conosco, aflito, para que ele me levasse ao parque. Chegando lá, corria até o Recanto das Crianças e regava minhas sementes com delicadeza e dedicação, torcendo para vê-las florescerem, até que um dia, vi, de longe, meu cantinho cheio de rosas vermelhas, lindas, grandes e saudáveis. A euforia tomou conta de mim, puxava meu avô pelo braço, na ânsia de chegar logo, para vê-las de bem perto. No dia seguinte, levei minha família ao parque, tiramos belas fotos e fizemos um piquenique inesquecível para comemorar meu talento como jardineiro.
         Meu avô morreu meses depois e nunca mais voltei lá.
         Cresci, casei e quando meu filho tinha seis anos, fui com ele ao parque da minha infância. A relação de André com o jardim era a mesma que eu tinha. Adorava os patinhos e escolheu um nome para cada um. Contei-lhe a estória da criação do “Recanto das Crianças”,  que continuava lá com muitas outras flores, bem cuidado e limpo. Consegui passar para o meu filho o amor e o respeito por esses seres vegetais, e de como é importante à preservação da natureza.
         Hoje, nesse banco, onde tantas vezes sentamos juntos, olho para o chão e vejo as folhas secas, formando um tapete amarelado, sem fim. O parque está totalmente abandonado. Seco, devastado, como eu, neste momento. “O Recanto das Crianças” sem flores, coberto de areia, me pareceu mínimo e insignificante. Inquieto olho para o lago, como a procurar alguém. Atravessando a neblina de meus pensamentos, vejo a mãe pata com apenas um filhote, e André, pequeno, acenando pra mim. Lembranças cruzam meus pensamentos. Meu casamento acabou, sinto-me só e luto para sair da tormenta em que me encontro. Queria tanto voltar a ser criança, saudades do meu avô, o velho teria gostado de conhecer meu pequeno.  Que dor mais ingrata é essa? Não devia ter dado aquele carro ao André. Os jovens gostam de correr, se sentem imortais, nada pode acontecer a eles.

         Levantei-me e fui pisando o tapete amarelo e afastando as folhas. Quanto mais as afastava, mas caíam. Ao sair do parque olhei para trás, o tapete amarelo imenso se perdia no caminho infinito. Despedi-me das minhas memórias e tomei o rumo de casa.

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