SUFOCO

                                           

                Dirigia em alta velocidade quando passou de raspão pelo motociclista. Pelo retrovisor se certificou que estava tudo bem com o rapaz, e continuou voando pela larga avenida. Só sabia dirigir assim, desafiando as leis do trânsito e do bom senso. Pouco ligava para as regras, elas eram para os outros. Seu carrão, de mais de cem mil reais atestava seu ótimo padrão de vida, mais uma razão para ele se sentir acima do bem e do mal.
         O motociclista deu uma guinada violenta para não ser atingido pelo carro e xingou todos os descendentes do motorista, que ele não sabia se era homem ou mulher, devido aos vidros escuros do veículo.
         O piloto da moto quer se vingar daquele bólido humano com sua besta motorizada. Mais um pouco e ele estaria estirado na calçada. Nenhum policial, nenhum patrulhamento, nenhuma câmera, e ficamos todos à mercê dessas imprudências. Brasileiro dirige mal, e gosta de correr. É o espírito de Airton Sena encarnado em cada um de nós.
         Resolveu fazer justiça com as próprias mãos.
         Começou a se preocupar com a presença constante do motociclista na cola de seu carro. Qualquer manobra que fazia, o rapaz fazia também. A preocupação deu lugar ao medo, ao pânico. Essa cara vai vê matar. E corria mais ainda, e pouco adiantava. De uma hora para a outra reviu sua vida. Tinha certeza do pior. Totalmente tomado pelo pânico teve uma ideia suicida, Vou jogar o carro em cima dele, e acabo com isso. Tarefa difícil, porque a moto se mantinha atrás do veículo. Passavam-se os quilômetros e a situação se mantinha inalterável. Suas mãos suavam e deslizavam pelo volante, embora o ar refrigerado estivesse no máximo. Mais adiante ele viu a longa fila de carros. Merda de congestionamento, agora não tem jeito, este homem vai acabar comigo.
         Diminuiu a marcha e se preparou para o pior. O rapaz se abaixou e pegou uma pedra enorme de um canteiro de obras. É agora, ele vai jogar essa pedra, que vai bater na minha cabeça  é o fim. Gelado e suando ao mesmo tempo ele esperou o pior.
         Não esperou muito tempo. A pedra veio zunindo e acabou com o vidro traseiro. O motociclista passou por ele, e zizezaqueando pelos outros carros se safou do congestionamento.
         Ele olhou o vidro, aliviado, Amanhã compro outro.


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