GRIPE




           
            Acordei com a garganta doendo, o nariz entupido e já sabia que a gripe galopava ao meu encontro. Tentei desviá-la com remédios e pastilhas, mas ela veio avassaladora, derrubando obstáculos e vencendo meu corpo debilitado. Pus-me na cama, de molho, dormindo a maior parte do tempo e lendo nos intervalos, mas sem muito sucesso.  Estirado na cama olhava o relógio e pensava no que faziam meus amigos e eu mesmo, se não estivesse ali, imóvel. Essa atemporalidade sempre me assustou principalmente se estava dentro de um avião.  Olhando para o infinito azul, com as nuvens dançando na minha frente, me lembrava dos que ficaram em terra, mergulhados nos seus afazeres. Pensava: a essa hora Irma escova os dentes, Roberto se prepara para o colégio e com certeza minha mãe está ao telefone. A vida não para. É exasperante constatar que somos plenamente substituídos. Bem, temos alma, e isso conta, e muito, principalmente se você for desses que acredita em reencarnação. Mas, o fato é que não sei se por causa dessa maldita fraqueza que me assola quando estou doente, fico pensando besteira. Se eu morrer hoje, muitos outros nascerão. Farei falta para alguns e logo serei esquecido. Isso reforça aquela minha tese um pouco acima do quanto somos plenamente substituídos. Ligo a televisão, mas a mediocridade dos programas é demais para a minha cabeça. Os filmes de tevê a cabo, já os vi todos, pois vivem sendo repetidos, um saco, e o jeito é ensaiar uns passinhos pela casa e voltar para a cama e me entregar aos caprichos dessa donzela irada. Mais dia menos dia, ela me deixará em paz e buscará outro incauto. É sempre assim





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