ERA UMA VEZ UM REI.

O convite para trabalhar num museu tão importante pela sua história e tradição veio a calhar. Estava desempregada, contas atrasadas a pagar, emagrecendo a olhos vistos para alimentar o meu filho, enfim, no caos instalado na minha vida, o júbilo por terem se lembrado de mim compensou a dor constante do estomago vazio.
O prédio imponente ocupava quase um quarteirão. Estava mal cuidado, como quase tudo no país, mas ninguém se importava muito. Para falar a verdade, o museu era frequentado por muito poucos, e a maioria da população, pobre e semi-analfabeta não estava nem aí para a cultura e as artes. O país entrava no obscurantismo intelectual e artístico.
Fui recepcionada pelo diretor, logo no grande hall de entrada, com cacos espalhados pelo chão. Não ousei perguntar o motivo,chega de desgraças. Levou-me à sala onde seria o meu espaço de trabalho. Sala pequena, simples, mesa, computador, impressora, cadeira e uma estante contendo livros de Antropologia, e Biblioteconomia. Havia uma janela, apenas com a moldura em madeira, com um espaço para vidro, que pelos cacos que vi no chão, deduzi que o daqui deveria ter sofrido a mesma sorte.
O susto foi grande quando ao levantar os olhos, deparei-me com um homem de pele extremamente leitosa, debruçado na janela e me olhando com olhos melancólicos.
- Deseja alguma coisa? peguntei, sentindo-me gauche.
- Não.  Resposta simples e curta, como e não tivesse mais nada a dizer.
- O que faz aqui?
- Moro, minha família está aqui desde os primeiro tempos.
- Primeiros tempos?
- Sim, sou rei.
Mais um maluco, pensei, e voltei ao meu trabalho. Depois de alguns minutos, começou a me incomodar aquela figura leitosa, melancólica e paquidérmica. Parei o que estava fazendo e sugeri um passeio pelo pátio.O rei adorou a ideia e saímos os dois, ele pela janela e eu pela porta. 
Quando se viu ao sol, o rei entrou em êxtase. Confinado dentro do museu e sem a corte em volta, não sabia andar sozinho. Fiquei com pena dele, o que adianta ser rei, sem ter a majestade?  Ele me pediu que o levasse a outros lugares. Disse-lhe que seria impossível. Teria que arranjar permissão especial, já que ele era rei, e eu, simples plebeia. Nisso, passa por nós, uma amiga que eu pensava ter morrido há décadas. Ele leu meu pensamento. Com um largo sorriso, disse que quem tinha morrido era uma pessoa igual a ela. Comecei a achar aquilo muito confuso, e pedi para ele para voltar para dentro da casa. Num piscar de olhos ele sumiu, quando voltei ao meu cubículo, lá estava ele na moldura que eu pensei ser uma janela sem vidro.

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