O ABRAÇO NO CHICO BUARQUE

Para Chico Buarque de Hollanda.



A sala era ampla. Poderia ser um galpão ou estúdio. Em cima de uma mesa pequena, retangular, um livro sobre Antonio Carlos Jobim. Um marcador sinalizava que o leitor estava no fim do livro, que por sinal era grosso. Peguei-o e ao começar a folheá-lo ouvi uma voz ao longe, dizendo, "esse livro tem dono". Não foi falado em tom agressivo, diria que até tinha humor. E a voz, pra lá de familiar. Uma voz que ouço há 50 anos, em diferentes nuances. Virei-me e lá estava ele, Chico Buarque, sorrindo, os dentes da frente separados, e jovem, tão jovem quanto eu. Não entendi nada, só sei que corri e me joguei nos seus braços. Recebeu-me em concha de afeto e reconhecimento. Por alguns segundos não acreditei no que estava acontecendo, e deixei-me ficar. Depois, tal e qual uma metralhadora giratória fui falando da sua trajetória, tão entrelaçada com a minha, das alegrias que suas canções me davam, e só o fato de sabê-lo vivo, me deixava feliz. Como posso conhecê-lo tão bem? Ele apenas sorria, e balançava a cabeça. Falei muito, tanta coisa.  Ao final, ele disse, "pode ficar com o livro, sei que você gosta do maestro soberano tanto quanto eu".

Acordei ainda por conta do abraço. Como foi real. Será o sonho uma despedida, ou a minha grande vontade de abraçá-lo e dizer o quanto ele foi, é, e será importante na vida musical e editorial desse país, num momento onde o obscurantismo intelectual se faz presente.

2019






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