HISTÓRINHA QUASE REAL

                             

                Lembro-me bem dela. Cabelos escuros, lisos, bem curtinhos, imensos olhos negros e pestanudos, nariz bem delineado, boca carnuda e dentes brancos, lindos. Corpo escultural encimado por um pescoço longo, seios redondos, como dizia um amigo dela, apaixonado: no tamanho certo para caber na minha mão. Enfim, a menina era um espetáculo. Os homens a cobiçavam e as amigas a invejavam. Chamavam-na de Beth, a caçadora. E para tentar descobrir algum defeito, falavam das pernas, finas e nada glamorosas. Um detalhe, convenhamos.
                 Morava na Penha, sua família era bem humilde, numa casinha modesta, e ela tinha jurado que aquela vida não era a que queria para si. A mãe era costureira e o pai vivia desempregado. Tinha uma irmã, as duas se detestavam, viviam às turras e competiam pelo amor da mãe, totalmente voltado para Beth. No entanto, as amigas das duas irmães eram praticamente as mesmas.
                Elas eram muito parecidas, a diferença entre as duas era de um ano, mas a sensualidade e a atitude de Beth eram tão escancaradas que ofuscavam o que a irmã poderia ter de beleza, por exemplo. E era muito bonita, mas se escondia numa capa de timidez e recato, quase que com medo de se revelar sedutora. Deixava isso para a irmã.
                Beth pescava os rapazes cheios de grana. Vendia-se por um cachê alto e fins de semana em lugares paradisíacos. Não se apaixonava, sua meta era o futuro. Como formiga amealhava no verão para colher em dias mais frios.
                Foi a precursora das tangas e fio dental, todos feitos pela mãe. O dia em que chegou na praia com uma tanga que mal cobria os pelos pubianos, alguns ficavam a mostra, foi um acontecimento. Seu acompanhante, um rapaz de origem judaica, lindo de morrer, fingia que não era com ele, mas desconfiamos que não gostou da exibição, porque algumas semanas depois terminou com ela. Nós sabíamos que seria difícil ela se casar com um desses rapazes com quem ela saía, estava na cara que eles não estavam a fim de relacionamento sério. Queriam a Beth para sexo e diversão. Ela também os usava, mas, no fundo achava que um dia, um, pelo menos, iria se apaixonar por ela.
                E de fato aconteceu. Ela encontrou o seu amor. Ele era casado, bem mais velho do que ela, um homem rico com carreira estabelecida. Ela custou a admitir que gostava dele, mas depois de anos, rendeu-se. Engravidou, ele se divorciou e se casou com ele. Era louco para ter um filho.

                Hoje me bateu uma saudade enorme da Beth. Pelos meus cálculos deve ser avó. Como estará? Não sei, mas quando me lembro dela, me lembro do seu sorriso e de como era legal ser sua amiga.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

DONA ANGÉLICA

O REI E SEUS FILHOS

ROTINA