JOÃO BOLINHA

 

 

Era o meu único boneco, feito de bolas de plástico coloridas. Uma graça. Ocupava lugar de destaque na prateleira, rés ao chão, onde ficavam as outras bonecas, uma ao lado da outra.

Ao chegar da escola, a primeira coisa que eu fazia, era despir-me de meu uniforme, vestir uma roupa confortável e me dispor a ensinar aos meus bonecos a lição aprendida na escola. Para isso organizava duas filas, uma para as bonecas, e outra para João Bolinha, sempre à direita. À frente um quadro negro, quadrado em cima de um tripé. Acompanhava giz coloridos e apagador. E a lição começava.

Eu, que sempre fui loquaz e desinibida, repetia o que a professora havia ensinado, com interrupções, onde repreendia uma falta de atenção pontual dos bonecos, ou apenas para me certificar se a lição estava sendo compreendida.

Essa prática se prolongou por alguns dias, meses, e durou o ano letivo inteiro, praticamente.

Com a chegada do novo ano, novos ares, a casa se preparou para a chegada de um novo inquilino, um filhote de policial. Meus pais achavam que um cachorro seria bom para o meu desenvolvimento emocional, uma vez que era filha única e, também, uma oportunidade de me ensinar o respeito que se deve ter com os animais.

Quando Totó chegou, momentaneamente, me esqueci das bonecas e de João Bolinha, agora era ele, Totó, meu brinquedo favorito, embora o tratasse com a mesma deferência e dedicação com que mimava as bonecas e João Bolinha.

Totó gostava de todos os meus brinquedos, e também das bonecas e de João Bolinha, principalmente. Ficava impaciente, querendo pegar o boneco, que era sempre tirado de suas garras, até que um dia se deu o inevitável. Totó o pegou de jeito e com seus dentes e garras afiadas destruindo-o inteiro, deixando, porém, as bolas intactas, que por segundos fizeram-no correr de um lado para o outro, atrás delas, já que, redondas, corriam pelo chão. Um bafafá, me lembro bem de ter chorado, esperneado e também inconsolável com o estado moribundo de João. Totó atônito e espantado com tanta confusão, sem saber o que de fato acontecia, se escondeu debaixo da cama.

Minha avó, que era uma criatura extremamente silenciosa, chegou devagarinho, e com seu jeito manso, me acalmou, prometendo pronta recuperação do boneco. E dito e feito, fez um trabalho cirúrgico, realinhou todas as bolas e aos poucos redesenhou o corpo de João, com as bolinhas coloridas, que por milagre estavam todas intactas.

A partir de então, João Bolinha mudou-se de lugar. Passou a enfeitar a minha cama e Totó nunca mais lhe pôs as patas.

 

 

 

 

Maria Alice Mansur

 

 

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